Alessandra Mastrogiovanni, 1967
Nascida em Nova York, filha de um diplomata carioca, Alessandra cresceu imersa em diversas culturas e idiomas. Morou na Suíça, Uruguai, Inglaterra e Portugal — vivências que moldaram sua sensibilidade e ampliaram seu repertório artístico e existencial. Chegou ao Brasil em 1972, vivendo em Brasília até 1977. Em seguida, mudou-se para Genebra, onde permaneceu até os anos 1980. De volta ao Brasil, estudou no Liceu Pasteur e, em 1989, ingressou na FAAP para cursar artes plásticas.
Sua trajetória é tecida por múltiplos encontros com saberes artesanais e expressões culturais. No Uruguai, aprendeu a trabalhar com couro; na Costa do Marfim, pintava cerâmicas, cocos e galhos de bananeira; em Portugal, criou vitrines e fez performances com uma banda de rock; em Londres, estudou cenografia. Já na cidade do Porto, mergulhou no yoga e na meditação, e expôs seus trabalhos na renomada Escola Árvore, referência em arquitetura e escultura. Em 1998, mudou-se para São Paulo, onde deu continuidade à prática do yoga e aprofundou seus estudos em artes visuais: frequentou aulas de desenho no MAM com Dudi Maia Rosa, pintura com Sérgio Fingermann e realizou um curso intensivo de pintura e desenho em Nova York.
Segundo Georges Didi-Huberman, a estética vivida encarna-se na experiência cotidiana do ser. Trata-se de uma forma de perceber o mundo em que o sensível está entrelaçado com o ético, o político e o espiritual — tudo pulsa junto, numa trama onde sentir também é saber. A história de Alessandra encarna essa perspectiva: sua vida é uma obra em constante processo, onde cada gesto cotidiano carrega a potência do sagrado.
É uma estética do vivido — não apenas do que se vê, mas do que se sente, compartilha e cuida. Um modo de estar no mundo com os poros abertos. Em sua caminhada, Alessandra coleciona fazeres, técnicas e saberes de diversos territórios — inclusive no Brasil, onde viveu em Bonito (MS) e hoje reside em Boiçucanga, no litoral paulista. Nunca se fixou por completo em um só lugar: sua busca é interior, por um pertencimento que escapa à geografia. O espaço que a habita não é abstrato: ele vive nos rastros deixados pelos lugares que atravessou, guardados na memória como sementes.
Sua pintura evoca a obra de Egon Schiele, artista austríaco do início do século XX. Assim como Schiele, Alessandra traça com linhas intensas e angulosas, utiliza cores rebaixadas e distorce perspectivas e formas humanas, imprimindo uma força expressiva que beira o trágico. Schiele, marcado pela instabilidade da Primeira Guerra e pela busca incessante de um lugar em Viena, expressava sua inquietude com pinceladas ferozes. De forma semelhante, Alessandra traduz sua busca por pertencimento em linhas que ora figuram, ora se dissolvem no abstrato.
Em Bonito, cercada pela presença dos povos originários, ela passou a colecionar sementes — sobretudo cabaças — e, influenciada por sua prática de yoga, começou a estudá-las e incorporá-las à sua produção artística. A cabaça, símbolo ancestral ligado ao ciclo da vida, à fertilidade e às práticas rituais, tornou-se matéria viva de sua criação. Alessandra passou a confeccionar colares com as sementes, fundindo pintura e corpo. Assim como Picasso bebeu da estética africana, Alessandra ressignifica elementos naturais e simbólicos em sua obra.
A palavra “colar” vem do latim collare, significando coleira, mas também remete a agregar, unir, aderir, fundir. Tudo aquilo que Alessandra busca: um sentido de união, de pertencimento a um lugar — ainda que simbólico. As sementes, nesse contexto, são estruturas geradoras: portam a promessa de futuro. E é nesse ato de cultivar que Alessandra finca, finalmente, um território — mesmo que efêmero — na terra.
O desejo de enraizar memórias convive com a presença da ausência, com a sensação de perda. Mas é justamente essa ausência que dá densidade ao desejo, que confere forma ao objeto e abre caminho ao pensamento. Na experiência de Alessandra, arte e vida são inseparáveis, entrelaçadas como um fio contínuo — um gesto de busca, de escuta, de construção e de presença.
Loly Demercian